Fale conosco

A Transversalidade da carteira de investimentos sociais

3min de leitura

Por Beatriz Waclawek

dez 2024
">

Gosto de comparar processos transversais a sistemas biológicos interdependentes. Tomemos a floresta como exemplo para ilustrar o pensamento.

Em uma floresta, há aquilo que os olhos conseguem ver: uma área de terra coberta por vegetação. Há também aquilo que os olhos não distinguem, como a intrincada cadeia de relações de seres vivos com o solo, outros organismos e o ambiente, dando origem a um sistema conhecido como Wood Wide Web (Rede Florestal Ampla em português).

A floresta funciona como um organismo interconectado, onde cada elemento desempenha um papel. Estudos mostram que árvores mais velhas e saudáveis, conhecidas como árvores-mãe, muitas vezes direcionam nutrientes extras para outras mais jovens ou debilitadas, para manter a floresta estável.  Os fungos, por exemplo, se estabelecem em torno das raízes para “colonizá-las” e, assim, trocar recursos e nutrientes, mas também garantir a defesa química das árvores.

Essa troca constante não só mantém a floresta saudável, mas também demonstra como a vida na Terra depende de colaboração e regeneração, mesmo nos níveis mais microscópicos.

Dentro desse universo e seus conceitos, a Biomimética entra na junção da sociedade com a floresta, sendo uma área da ciência que busca inspiração na natureza para resolver desafios humanos. Mais do que copiar formas, a Biomimética se aprofunda no funcionamento eficiente e sustentável de ecossistemas, aplicando esses princípios ao design, engenharia, arquitetura e tecnologia, entre outras áreas do conhecimento.

Assim como os sistemas naturais nos ensinam a criar soluções que respeitem os ciclos da Terra, em que resíduos de um processo são recursos para outro, no Movimento Bem Maior adotamos um olhar transversal e interconectado para nossa carteira de investimentos sociais. Nosso desafio é compreender como um ecossistema de 90 organizações apoiadas podem dialogar entre si, o setor social e outras esferas.

Da mesma forma que na floresta não há como separar sol e solo, em uma carteira não há como separar investimentos na ponta de investimentos no fortalecimento no campo social ou investimentos em educação de investimentos em inclusão produtiva.

Vou citar como exemplo a criança que não tem acesso a uma educação de qualidade. À primeira vista, vemos apenas uma criança fora da escola, mas o que os olhos não alcançam revela uma realidade muito mais complexa: a falta de transporte escolar, a ausência de alimentos que garantam sua capacidade cognitiva para aprender e a impossibilidade de adquirir materiais didáticos porque seus pais estão desempregados.

Além disso, podem existir ainda traumas invisíveis, como a saúde mental comprometida por viver em um ambiente de violência doméstica e a insegurança de morar em um território dominado pelo crime organizado. Entre a casa e a escola, há uma teia de obstáculos que não se rompe apenas com o acesso à educação de qualidade. Há toda uma rede de desafios sociais interconectados e estruturais que exigem soluções colaborativas e robustas para garantir o direito básico de aprender.

Ao diversificar o apoio institucional e adotar um olhar de interdependência entre as diferentes causas sociais do Brasil, uma carteira de investimentos sociais privados pode se tornar um organismo vivo, onde cada organização apoiada desempenha um importante papel na construção da mudança social que almejamos.

Por isso a importância do olhar transversal: o apoio ao Fundo Agbara em prol da inclusão produtiva de mulheres negras conversa diretamente com a pesquisa sobre periferias da Iniciativa Pipa, que dialoga com o propósito da Gerando Falcões, que se fortalece pelo trabalho de advocacy da Aliança para o Fortalecimento da Sociedade Civil, que favorece a atuação de outras organizações, como o Instituto iungo, a plataforma Educação para Gentileza e Generosidade ou ainda o The Human Project.

Essa transversalidade e pluralidade que conecta diferentes frentes de atuação não apenas fortalece a consistência e a robustez da tese social do Movimento Bem Maior, mas também evidencia uma premissa fundamental: transformar o Brasil exige um olhar sistêmico e colaborativo em todos os níveis. Do micro, como o cuidado com uma criança, ao macro, como ações de advocacy que moldam políticas públicas, cada esforço interligado é uma peça indispensável para a criação de um país mais justo e inclusivo.