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O processo de criação do edital Futuro Bem Maior: uma fusão entre análise qualitativa e quantitativa

6min de leitura

Por Movimento Bem Maior

dez 2021
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O edital Futuro Bem Maior, do Movimento Bem Maior (MBM), nasce do desejo em tecer colaborativamente um Brasil mais igual para todos. Entendemos que, para co-construir o país que desejamos, é preciso costurar os fios filantrópicos do território com seus municípios, comunidades e indivíduos. 

Em fevereiro deste ano, a Fundação Getúlio Vargas realizou uma pesquisa apontando que o número de pessoas em situação de pobreza no Brasil saltou de 9,5 milhões, em agosto de 2020, para mais de 27 milhões. A fome voltou à pauta do país com 19 milhões de pessoas em situação de grave insegurança alimentar, segundo dados de 2020 da Rede PENSSAN. São 9 milhões de brasileiros a mais comparado a 2018. 

A pandemia evidenciou a desigualdade social em nível nacional e trouxe o assunto da vulnerabilidade social à tona. Os dados apontam para um país fragilizado que enfrenta a saída da pandemia com suas marcas e sequelas. Ao mesmo tempo reforça a união da sociedade civil organizada para tentar costurar as feridas através de mobilizações. E é pelo fio da filantropia que estamos criando laços de solidariedade para construir soluções e atender às latentes demandas  sociais.

Em sua terceira edição, o edital Futuro Bem Maior vem colhendo resultados e construindo uma tese de transformação sistêmica em que, para alavancar o desenvolvimento socioeconômico dos municípios em alta vulnerabilidade social no Brasil, é necessário incentivar o protagonismo de lideranças locais – pois estes são os únicos capazes de compreender os desafios e construir soluções efetivas. As problemáticas sociais são complexas e multivariáveis, e a solução deve ser construída pelo diálogo e pela visão de um agente legítimo da comunidade. 

Ao trabalhar para fortalecer Organizações da Sociedade Civil (OSCs) ou coletivos com amplo reconhecimento local, o MBM os ajuda a aumentar as suas capacidades de solucionar problemas sociais relevantes. Isso se faz pela capacitação da equipe gestora, melhoria de processos e auxílio na transparência que, consequentemente, os ajuda a atrair novos parceiros e investidores, e apoia o desenvolvimento socioeconômico local. Para tal, o Futuro Bem Maior provê recursos financeiros, exposição e credibilidade, capacitação e inserção em redes de trocas com outros empreendedores sociais.

Nos dois editais anteriores, o MBM apoiou um total de 86 organizações sociais em diversos estados do país, com uma soma de investimento de R $7.915.064,08. Foram  realizados diagnósticos em ambas edições para compreender a percepção das organizações sobre a parceria e observaram-se evidências de mudanças significativas após o término do apoio. Essas organizações se desenvolveram institucionalmente e, por consequência, foram capazes de aumentar e qualificar a ação social realizada.

Depois de realizar a etapa de seleção da terceira edição do edital Futuro Bem Maior, compartilhamos abaixo a metodologia usada para chegar até as 30 organizações sociais que serão apoiadas neste novo ciclo. Em especial, a abordagem de perfil desejado e a possibilidade de fusão de metodologias qualitativas e quantitativas

 

Metodologia

O terceiro edital parte do pressuposto que dados numéricos isolados são facilmente mal interpretados, por isso, qualquer análise de seleção requer um olhar humano. O processo se inicia com o entendimento do objetivo final e do perfil desejado. Incentivar o protagonismo de uma organização em uma comunidade vulnerável significa, para além de apoio financeiro, investir no fortalecimento institucional da própria organização e dos agentes responsáveis por identificar e compreender as necessidades locais. Logo, a matriz de seleção se estabelece pela análise estrutural da organização e pela sinergia de suas atividades com as demandas de seu município. O edital vai além do apoio em uma causa específica e foca seu olhar no desenvolvimento da organização, para assim operar com maior qualidade e aumentar seu impacto local.

Uma vez a matriz de seleção desenhada, inicia-se o processo de seleção do Futuro Bem Maior, dividido em quatro etapas:

  1. A primeira etapa é a exclusão automática daquelas que não preencheram corretamente todos os campos do formulário e/ou não enviaram toda a documentação solicitada dentro do prazo estabelecido;
  2. A segunda etapa, também de exclusão automática, desclassifica aquelas que não atendem aos critérios norteadores do edital. Esses critérios foram criados de maneira a aumentar a chance de organizações sociais que geralmente estariam fora do campo de visão dos grandes financiadores, por estarem distantes de grandes centros urbanos ou por não serem soluções escalonáveis. Os critérios foram: 1) ser OSC com ata/estatuto ou ser coletivo com no mínimo dois responsáveis legais; 2) não ter associação a nenhum partido político; 3) ter atuação comprovada de no mínimo 5 anos, dando credibilidade e legitimidade ao trabalho que exerce; 4) ter o orçamento anual máximo de R$ 500 mil em 2020 e não exceder R$ 500 mil na previsão para o orçamento de 2021, garantindo o alcance a pequenas organizações geralmente fora de visão dos grandes financiadores; e, 5) atuar diretamente (sede) em um município com até 200 mil habitantes, de acordo com as estimativas do IBGE de 2020;
  3. A terceira etapa realiza a análise individual das organizações selecionadas dentro de um filtro de prioridades, seguido pela análise documental. Os filtros guiaram a avaliação de risco de cada organização, levando em consideração fatores como: estabilidade e sustentabilidade financeira, sua rede de parcerias locais ao longo do último ano, e sua transparência na divulgação de processos e resultados. Além disso, foi avaliado o propósito da organização e a proposta do projeto submetido, atentando-se a viabilidade e a coerência. Após isso, iniciou-se o olhar minucioso para os dados fornecidos pela organização, os cronogramas de atividades, tabela da equipe do projeto, análise documental, e cruzamento em busca de validação da relevância do projeto por dados secundários do município (IVM, IDEB, porcentagem de evasão escolar, entre outros);
  4. Na última etapa, chegou-se a um grupo de 50 organizações que foram enviadas para deliberação de um comitê especialmente formado para isso, responsável pela decisão final. O comitê, composto por 9 especialistas técnicos, sendo 3 do próprio MBM e outros 6 representantes da sociedade civil, teve como intuito qualificar as escolhas que representam um processo decisório inclusivo e plural.

Dentre os processos usados, considera-se relevante aprofundar na construção do sistema de pontuação da etapa 3, que acompanhou a análise individual. O sistema de pontuação foi utilizado como um experimento para observar se a análise quantitativa se aproximava da análise qualitativa. Os critérios foram construídos em cima de sete temáticas associadas à transparência, gestão de pessoas, captação de recursos, gestão financeira e presença digital. Cada critério corresponde a um conjunto de respostas, classificadas em uma escala de 0 a 5, sendo 5 de maior valor. Ao final, todos os critérios são somados e ranqueados entre 0 a 35 pontos. Havia uma hipótese de que as organizações relevantes ao edital estariam presentes na pontuação entre 20 a 30 pontos, devido às dificuldades estruturais, financeiras e de captação de recurso que poderiam apresentar. A hipótese foi confirmada ao comparar a análise qualitativa com o resultado das pontuações, em que o cruzamento se mostrou muito eficiente e poderá ser melhor aproveitado em futuros editais. 

Nosso intuito com esse sistema foi promover a fusão de uma abordagem qualitativa e quantitativa para avaliar organizações, tentando encontrar uma metodologia humanizada em meio a tantos dados. Nesse aspecto, ressalta-se que o êxito de um bom sistema de pontuação advém da correta formulação do questionário de inscrição, em que cada pergunta deve ter um propósito, uma análise clara por trás e deve ser redigida de modo a não direcionar respostas ou gerar dúvida quanto ao que está sendo perguntado. 

Vale ressaltar que muitos dos nossos aprendizados vieram de parcerias e colaborações com organizações bastante experientes, agradecemos a todos pela imensa generosidade. Importante destacar a parceria com o Instituto Phi, que ao longo dessas três edições foi nosso grande parceiro e, a partir de seu amplo repertório em gestão de projetos sociais, vem nos ajudando a construir uma iniciativa que verdadeiramente agregue valor a quem mais precisa. 

Temos a consciência de que a elaboração de novas ferramentas que fomentem o desenvolvimento institucional e o fortalecimento de ações de impacto social na ponta são processos contínuos de escuta ativa, adaptação e aprimoramento. A versão que apresentamos aqui foi fruto do processo deste edital em específico que, seguindo os conceitos de Lean Thinking, já gerou ideias e novas propostas para os próximos editais

Nos sentimos confortáveis e entusiasmados para compartilhar esta experiência com você, gestor de organizações sociais que participa de editais como este ou gestor de organização social grantmaker que, assim como nós, quer seguir melhorando suas práticas e tem interesse em aplicar metodologias semelhantes em seus processos de seleção/avaliação. A quem desejar saber mais e trocar experiências ou aprendizados sobre o tema, entrem em contato conosco. Vamos juntos por um Brasil de oportunidades!

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Este artigo foi escrito por

Beatriz Waclawek - Coordenadora de Projetos no Movimento Bem Maior

Beatriz Waclawek, Coordenadora de Projetos do Movimento Bem Maior

Larissa Guimarães

Larissa Guimarães, Analista de Dados do Movimento Bem Maior

 

Leia também: Como instituições apoiadas pelo Futuro Bem Maior atuaram na pandemia

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