A Filantropia Baseada na Confiança parece, à primeira vista, um conceito simples. Mas colocá-la em prática exige inovação, escuta e abertura para o novo. Em sua essência, essa abordagem parte da premissa de reequilibrar as relações entre financiadores e organizações sociais, promovendo vínculos de confiança mútua como base para o impacto sistêmico. Diferente da filantropia tradicional, marcada por dinâmicas centralizadoras e de microgestão, ela valoriza a autonomia das organizações, reconhece a legitimidade do saber de campo e aposta no diálogo contínuo. Afinal, quem vive o problema está mais próximo da solução.
Foi com esse espírito que, no dia 28 de maio, o Movimento Bem Maior deu mais um passo concreto nessa direção ao realizar o 1º Encontro das Organizações Sociais. Reunimos em São Paulo 65 representantes de organizações que compõem nossa atual carteira de investimentos sociais privados. Uma manhã dedicada à escuta e à construção coletiva — com convivência, partilha de aprendizados e inteligência em rede.
Na programação, organizamos 13 mesas temáticas em quatro eixos — Captação de Recursos, Parcerias e Colaboração, Mensuração Social e Tecnologia — que representam os maiores centros de interesse das organizações apoiadas pelo MBM. Os relatos evidenciaram questões estruturais, como a necessidade de fortalecer a cultura de doação no Brasil, avançar na mensuração de impactos intangíveis e garantir sustentabilidade institucional para além de projetos pontuais.
Também foram trazidas soluções concretas, como o uso de tecnologias para engajar doadores, a criação de produtos financeiros diversificados, o fortalecimento de redes locais e a importância da escuta ativa dos beneficiários. A inteligência coletiva que emergiu nesse encontro é uma amostra viva de colaboração com confiança — e do desejo real de cooperação a longo prazo.
O encontro foi inaugurado por uma fala inspiradora do empresário e filantropo Elie Horn, que deu tempo para cada organização se apresentar e depois provocou a audiência sobre o que precisamos mudar para transformar o Brasil. Em seguida, nossa diretora-executiva, Carola Matarazzo, trouxe uma distinção essencial entre colaborar e cooperar, reforçando que estamos sendo chamados a construir vínculos genuínos, ao invés de alinhar interesses. No encerramento, Fernando Iunes, presidente do Conselho do MBM, reforçou o papel estratégico da colaboração como alavanca para o impacto sistêmico.
A decisão de realizar o Encontro nasceu do desejo de aprofundar essa abordagem para além dos processos formais — e de telas de Zoom, pontes feitas por e-mail, conversas em grupos virtuais. A proposta foi criar um espaço real de escuta ativa, trocas horizontais e fortalecimento de laços entre as próprias organizações. Um momento em que deixamos de lado os desafios operacionais individuais e olhamos para os dilemas coletivos.
A Filantropia Baseada na Confiança é também uma forma de redesenhar os sistemas de apoio à sociedade civil. E envolve observação, escuta, co-criação, flexibilidade e aprendizado. É quase um design thinking aplicado ao campo das relações — particularmente, gosto de correlacionar ao conceito de Human-Centered Design, no qual as pessoas estão no centro dos processos e da estratégia. A filantropia com confiança transforma o apoio financeiro em uma experiência de coautoria.
Inspirado por essa visão, o MBM desenvolveu ferramentas internas alinhadas a essa abordagem do design. Um exemplo é a nossa Tese de Relacionamento, que representa a jornada de construção da confiança com cada organização apoiada. Relações de confiança pressupõem escuta ativa, presença humana, disposição para conversas difíceis, acolhimento das vulnerabilidades e tempo para cultivar vínculos genuínos.
Nossa Tese se articula com o processo de acompanhamento, em que cada etapa aprofunda a relação construída: a Imersão é um momento de conexão inicial; a Definição de Acordos é um compromisso mútuo; o Acompanhamento é o experimento da confiança na prática; e os Resultados são celebrados como frutos da potência da relação.
Para além disso, a transparência é um valor essencial. Se desejamos relações profundas, o MBM também precisa se abrir e ser claro: explicitamos como funcionam nossos ciclos de apoio, a razão de solicitações como relatórios periódicos, como construímos nossos indicadores e como comunicamos os resultados da carteira aos nossos associados e à sociedade.
Filantropia Baseada na Confiança não é só um novo jeito fazer gestão de investimentos sociais privados. É uma nova forma de se relacionar — entre organizações, financiadores, causas e pessoas. O Encontro foi um lembrete disso: criar espaços de troca presencial fortalece vínculos, dissemina boas práticas e nos aproxima do propósito que nos move. É nas conexões de longo prazo que colocamos nossa aposta para transformar e sustentar um ecossistema vivo de impacto social.
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