O coletivo participou do programa Futuro Bem Maior, realizado pelo Movimento Bem Maior, Phomenta e Instituto Phi, voltado para o fortalecimento de iniciativas com impacto comunitário
“Itatuba” é um termo ancestral, do tupi, que significa “lugar de muitas pedras”. Esse nome não apenas descreve a geografia, mas também encapsula a essência de um município na Região Metropolitana de Campina Grande, Paraíba, que conta com pouco mais de 10 mil habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE 2011). Entre os moradores, está Shirley Luis da Silva, professora há 25 anos e integrante do Coletivo Multividas, uma organização que apoia trabalhadores do campo na convivência com o semiárido e na defesa dos direitos humanos.
Filha de pais agricultores, Shirley entendeu, desde muito jovem, que aquela era uma terra fértil, formada por pessoas firmes como rocha, mas com poucas oportunidades. Mais da metade dos habitantes da região dependem da agricultura familiar para o sustento, complementando suas rendas com programas governamentais, como o Bolsa Família, e a aposentadoria.
“Surgimos com a experiência das comunidades eclesiais de base. Era um grupo das capelas rurais, que se reunia nesse momento para discutir a caminhada de cada capela, em 1994. Quando surgiu este grupo, era religioso, mas com o tempo fomos vendo também outras questões, compartilhando as potencialidades e as fragilidades de cada comunidade”, comenta a educadora. “O nome, Coletivo Multividas, foi criado posteriormente, quando o Serviço Pastoral dos Migrantes chegou e se juntou, trazendo consigo o programa de acesso à água. Uma das grandes problemáticas do êxodo rural no município de Itatuba era a migração da população da zona rural para a zona urbana, por falta de água.”
A iniciativa expandiu-se e os serviços foram ampliados, abraçando não só famílias de Itatuba, mas também dos municípios de Fagundes e Ingá. “Além das cisternas, temos outras atividades voltadas para o agricultor e para a agricultura, como os fogões econômicos ecológicos. Além de reduzir os custos com gás, eles aproveitam a lenha disponível na própria comunidade, sem destruir a natureza, e possibilitam o preparo de bolos, salgados e outras variedades para que as famílias possam vender e ajudar na renda da casa”, destaca Shirley.
Outro ponto forte do coletivo, que participa de redes como o Fórum de Lideranças do Agreste e o Fundo Nordeste Solidário, é a manutenção de bancos de sementes crioulas. Em feiras e encontros, instauram-se diálogos com a sociedade sobre a importância da conservação desses grãos e da denúncia de contaminação por transgênicos, agrotóxicos e mudanças climáticas.
“Hoje, temos o banco de sementes na comunidade Mãe Joana; um banco de sementes na comunidade Serra Velha, em Itatuba; um banco de sementes no município do Ingá; e este ano, iremos criar mais um na Agrovila Águas de Acauã, um reassentamento que abriga famílias atingidas pela construção da barragem de Acauã”, compartilha. “Falamos desde o guardar das sementes até o plantio e toda essa capacitação, da convivência com o semiárido, para que os agricultores e agricultoras sejam protagonistas de sua própria história, no seu redor de casa, no seu campo. Queremos que possam plantar e colher para o preparo da sua alimentação com segurança e sem veneno. O objetivo principal é a família. A manutenção e a sobrevivência da família.”
Futuro Bem Maior
Apesar do trabalho incansável, da sabedoria e do impacto positivo, o Coletivo sentia a necessidade de ferramentas e estratégias de gestão para alcançar ainda mais histórias de sucesso. Foi assim que o Multividas descobriu o programa Futuro Bem Maior, uma colaboração entre o Movimento Bem Maior, Phomenta e Instituto Phi, dedicada ao fortalecimento de iniciativas comunitárias.
O programa, agora em sua 4ª edição, apoia organizações sociais relevantes, mas com recursos limitados, em áreas de alta vulnerabilidade social. Por meio de capacitação, busca promover o protagonismo desses grupos, possibilitando que alcancem sua missão com qualidade e de maneira sustentável.
“Quando fomos conhecer o edital, ele bateu em cheio para nós, que não éramos formalizados. Era a nossa oportunidade. Foi com esse intuito que nós, do Coletivo Multividas, participamos e, graças a Deus, fomos aprovados”, relembra. “Achávamos que era uma janela, mas já abriu várias portas, porque estamos colocando em prática. Damos o passo para o Multividas ser formalizado, ter seu CNPJ. Vamos ampliar o atendimento nos bancos de sementes das comunidades rurais. Antes, perdemos vários editais por não termos o CNPJ, então essa oportunidade foi além, possibilitando que pudéssemos nos organizar.”
O ciclo dura dois anos. Em 2023, as organizações selecionadas exploraram desafios, traçaram estratégias e desenharam projetos que serão postos em prática agora, em 2024, com um capital semente de 70 mil reais. “É até difícil descrever essa experiência. A formação possibilitou não apenas a continuidade do projeto, com o recurso no segundo ano, mas também toda compreensão da organização”, divide Shirley. “O Futuro Bem Maior nos deu a oportunidade de nos avaliar, planejar para poder recomeçar. Não recomeçar deixando para trás tudo aquilo que vivenciamos. Sem deixar nossa base, nossa essência, mas vendo os frutos que temos para colher. Enchemos nossa bagagem de conhecimento, e agora ela transborda para as outras pessoas que fazem parte do Multividas.”
Neste ano, o Coletivo completará 30 anos e a professora vê este momento como oportunidade de testar novas estratégias. “Entendemos a importância da visibilidade. Éramos um grupo que agia só dentro da comunidade, agora temos outra visão da importância das redes sociais, não só para dar visibilidade às ações, mas também para divulgar produtos da agricultura familiar”, diz. “Outra mudança importantíssima foi na questão dos registros das atividades. Registro dos atendimentos, dos atendidos, das mudanças. Hoje estamos nesse processo de organização. Éramos um coletivo sem dados concretos, testemunhávamos pelas ações e histórias, mas não tínhamos registros, então estamos construindo nosso banco de dados a partir dos ensinamentos obtidos durante a formação.”
Daqui para frente, a ideia é fortalecer ainda mais todo o aprendizado e captar mais apoiadores que possam garantir a continuidade da missão. Como as sementes que tanto trabalham para preservar, agora os integrantes do coletivo também buscam semear suas histórias e garantir que boas práticas sejam repassadas por gerações. “Espero que nosso coletivo esteja formalizado e possa acessar novos editais. Eles podem dar oportunidade aos beneficiários acompanhados pelo Multividas, agricultores e agricultoras, principalmente a juventude que mora na zona rural. Queremos capacitá-los, queremos que se tornem protagonistas de sua própria história, para que possam colaborar dentro de sua comunidade”, compartilha Shirley. “Queremos aumentar a paixão das pessoas pela sua terra, para que a juventude não tenha a ilusão de querer sair de sua origem para os grandes centros. Migrar é um direito, mas não deve ser forçado. Esperamos que não abandonem sua terra natal, seu espaço, suas histórias e suas raízes por falta de oportunidades. Nosso desejo é que as pessoas do campo tenham o semiárido vivo, onde possam viver bem.”