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A Força do Coletivo

Por Guilherme Mattoso

set 2022

EMPRESÁRIOS E FILANTROPOS ATUAM DE FORMA MAIS COORDENADA E UNEM ESFORÇOS EM PROL DE CAUSAS ESPECÍFICAS, COMO COMBATE À FOME E AO DESEMPREGO E ASSISTÊNCIA A CRIANÇAS CARENTES

POR ADRIANA CARDILLO GAZ

A filantropia vive uma nova fase. Se até algum tempo era centrada na figura de quem doava grandes quantias para causas humanitárias, hoje funciona de forma muito mais estratégica, tanto para pessoas físicas como para empresas. De acordo com a pesquisa Doação Brasil 2020, realizada pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis), as causas que mais sensibilizam atualmente são, na ordem, combate à fome e à pobreza, assistência a crianças e adolescentes carentes, garantia à saúde e combate ao desemprego e à falta de renda. O estudo também traz um dado que mostra que a percepção de que a doação faz bem para o doador cresceu significativamente, de 81% para 91% da população.

“Antes existia um foco maior em causas setoriais, como educação, saúde e meio ambiente. Agora, os investidores sociais começam a olhar para questões mais específicas e estruturais, como equidade racial, democracia, combate às mudanças climáticas (em vez de meio ambiente) e questões ligadas a refugiados, que têm ganhado cada vez mais atenção ao redor do mundo”, avalia Paula Fabiani, CEO do Idis.

O olhar colaborativo e de longo prazo é outra faceta que tem se destacado no universo da filantropia e investimentos sociais privados. A percepção de que unir forças para ajudar a resolver problemas e achar soluções é um caminho eficiente é geral. “Vejo grupo de empresários e filantropos atuando de uma forma mais coordenada, com investimentos minimamente paralelos às políticas públicas ou tentando inovar modelos para inspirar e engajar governos. Os recursos devem ser conjuntos, até porque não existe dinheiro de filantropia ou de investimento social privado no mundo que vá sozinho resolver os problemas”, diz Carola Matarazzo, diretora executiva do Movimento Bem Maior, organização fundada por Elie Horn, CEO da Cyrela, Rubens Menin, CEO da MRV e Eugênio Mattar, CEO da Localiza.

Em quatro anos de atuação, o MBM já direcionou R$ 99,6 milhões em investimentos filantrópicos, apoiando um total de 152 organizações sociais em todo o país. Na esteira da colaboração, também vem o Estímulo 2020. Criado há dois anos por grandes lideranças brasileiras, o projeto de apoio financeiro a juros baixos surgiu para evitar o fechamento de pequenas empresas afetadas pela pandemia. “Captamos mais de R$ 60 milhões em doações e já oferecemos cerca de R$ 125 milhões em apoio financeiro e capacitação aos pequenos empreendedores, impactando 24 mil empregos e famílias”, conta Fabio Lesbaupin, CEO do Estímulo 2020. Entre os doadores estão Abilio Diniz, Eugênio Mattar, Eduardo Sattamini, Luciano Huck, Roberto Marinho Neto, Romeu Domingues, além de outros nomes de peso no mundo dos negócios. Ao todo, mais de 100 líderes colocaram ao menos R$ 50 mil para viabilizar o projeto.

Até o momento, um dos maiores doadores do Estímulo 2020 foi o Santander. Segundo Lesbaupin, o banco fez um aporte de R$ 10 milhões. “Acreditamos que este é um modelo de investimento social privado importante, pois não foca no assistencialismo, e sim no impacto positivo para uma parcela importante da população, que são os pequenos empreendedores. Além de girar a economia, o investidor tem um retorno do valor”, afirma o CEO. O sucesso da operação permitiu que o Estímulo 2020 crescesse para além do apoio emergencial durante a pandemia. Com a chegada de novos doadores e modelos de captação, eles pretendem ofertar até 2024 um capital total de R$ 300 milhões.

S DO ESG NA MIRA
Se há algum tempo era uma boa ideia para grandes empresas investir em fundações ou institutos próprios como forma de gerar impacto social positivo, o cenário agora está mais maduro. Com isso, as corporações já perceberam que buscar e investir em projetos inovadores além de seu entorno pode trazer benefícios em todas as esferas. “Os empresários estão mais conscientes das necessidades e da relevância do seu papel, não só no fator financeiro, mas por posicionamento como sociedade civil organizada que possa fazer um movimento e mostrar caminhos para ajudar a solucionar. O capitalismo precisa encontrar um equilíbrio, e vejo um movimento mundial em investimentos sociais responsáveis. Todos com metas bem claras do que precisa ser feito”, avalia Carola Matarazzo, do MBM.

Entre as grandes marcas que buscam projetos inovadores para soluções de problemas como a perpetuação da pobreza, estão Ambev e Bayer. As duas já investem, por exemplo, em tecnologia social, que é um modelo de longo prazo capaz de oferecer soluções para problemas sociais construído de maneira participativa com comunidades locais, associando o conhecimento científico e tecnológico e à sabedoria das pessoas que vivenciam a questão. Entre os diferenciais desse modelo estão pontos como eficácia, escalabilidade, sustentabilidade e o pleno protagonismo das comunidades.

“Uma tendência importante é o surgimento de projetos que buscam conciliar a filantropia tradicional – que promove impactos sociais importantes, mas não gera retornos financeiros e pode não ser economicamente sustentável – com modelos de investimentos mais tradicionais, que podem impactar positivamente a sociedade e o meio ambiente e ainda gerar retornos financeiros que contribuem para a sustentabilidade econômica dos projetos”, avalia Jaime Oliveira, diretor de public affairs, ciência e sustentabilidade da Bayer no Brasil.

Nos últimos três anos, a empresa destinou cerca de R$ 25 milhões anuais a investimentos sociais no geral. Um dos projetos mais inovadores apoiados pela Bayer é o Instituto de Pesquisas em Tecnologia e Inovação (IPTI), localizado em Santa Luzia do Itanhy, interior de Sergipe, uma das cidades com um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDHs) do Brasil.

Cofundado em 2003 por Saulo Barretto, um dos maiores especialistas em tecnologia social do país, o IPTI é uma instituição de arte, ciência e tecnologia sem fins lucrativos que gera inovações capazes de promover o desenvolvimento humano a partir da criação de tecnologias sociais nas áreas de educação, empreendedorismo e saúde básica. “Não faz mais sentido no mundo atual as empresas não se juntarem, mesmo sendo concorrentes no mesmo setor, para resolver um problema global como a pobreza. Todos saem ganhando com uma sociedade melhor, mais justa e equânime”, afirma Barretto.

Como forma de potencializar o S da agenda ESG de forma moderna e que permita resultados consistentes e no longo prazo, a Ambev também mira em tecnologia social para alavancar estratégias eficientes de investimento em
impacto social positivo. “O IPTI é um exemplo de que investir em tecnologia e inovação é um caminho importante. A gente só consegue crescer se o Brasil crescer, por isso compartilhamos nossos investimentos sociais pelo país todo e não só no nosso entorno”, explica Carlos Pignatari, diretor de impacto social da Ambev. Segundo o executivo, a empresa já investiu cerca de R$ 1 milhão no instituto desde 2018. A Ambev não abre dados gerais de investimentos em ações de impacto social, mas hoje é uma das maiores apoiadoras em projetos de inclusão produtiva, diversidade, água, plástico e carbono.

De acordo com o Grupo de Institutos e Fundações de Empresas (Gife), que mapeia o investimento social privado no país, a pandemia alavancou em 71% o número de doações das instituições privadas, que atingiu R$ 5,3 bilhões em 2020. As organizações realizam aportes individuais variados: enquanto 39% investiram até R$ 6 milhões, 20% destinaram mais de R$ 20 milhões. “Apostar nessas organizações é apostar no desenvolvimento social dos territórios. Não há a necessidade de ser tão cirúrgico no investimento social privado; uma boa rede de confiança, com outros parceiros, escutando o território e inovando na forma de doar é suficiente para gerar impacto”, acredita Cássio França, secretário-geral do Gife.

Por fim, focar no impacto social também é uma forma interessante de chamar a atenção dos stakeholders e gerar autoridade e elevar a reputação da marca. O Brasil Giving Report 2019, que apresenta um retrato da doação no país, apontou que 74% dos brasileiros acreditam que as empresas devem desenvolver causas e apoiar a sociedade em que ela está inserida. “A agenda ESG trouxe um caminho de maior sensibilização e percepção dos investidores de que, de fato, é preciso encontrar soluções que tenham impacto e sejam mais eficazes. O greenwashing e socialwashing têm forçado as empresas a mudarem a mentalidade e a ficarem mais atentas e cuidadosas com relação aos projetos que elas desenvolvem e a maneira como reportam isso”, exemplifica Barretto.

A EFICÁCIA DA VENTURE PHILANTHROPY
A venture philanthropy, que costuma ser traduzida como filantropia estratégica, é uma das abordagens atuais para a doação e os investimentos que priorizem o impacto social e ambiental sobre o retorno financeiro. “A filantropia estratégica é mais do que um tipo de investimento social. É uma abordagem de apoio estruturado de longo prazo que, além de fornecer apoio financeiro, conta com pilares de apoio não financeiro e monitoramento de indicadores. Acreditamos que a adoção desse conceito pelas empresas fortalece e potencializa o terceiro setor, aumentando o potencial de impacto social, analisa Elizabeth Mac Nicol, superintendente da B3 Social, que é a associação sem fins lucrativos responsável pelas frentes de investimento social privado e voluntariado da B3.

Os projetos apoiados pela associação são baseados em evidências, com atuação sistêmica nas redes de educação, e visam ao impacto social e a redução de desigualdades, de acordo com a executiva. Em 2022, o apoio está dividido entre 28 projetos de educação que impactam aproximadamente 6 milhões de pessoas.

“Nos últimos três anos, tivemos a educação pública como nosso foco de atuação e investimento, com destinação anual de cerca de R$ 50 milhões por meio de doações diretas e verba incentivada. Além do investimento social privado, temos a frente de voluntariado, que também contribui com as organizações apoiadas. Anualmente, temos o engajamento de mais mil funcionários em ações de mobilização social”, diz Elizabeth.

BILIONÁRIOS X DESIGUALDADE SOCIAL
Segundo dados da Oxfam – organização mundial que tem como objetivo combater a pobreza as desigualdades e as injustiças em todo o mundo –, um novo bilionário surge a cada 26 horas desde o início da pandemia. Os dez homens mais ricos do mundo dobraram suas fortunas, enquanto mais de 160 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza. Em todo o mundo, a riqueza dos bilionários aumentou em impressionantes US$ 3,9 trilhões entre 18 de março e 31 de dezembro de 2020. Os dez bilionários mais ricos do mundo viram sua riqueza aumentar coletivamente em US$ 540 bilhões durante esse período. Só no Brasil, dez novos bilionários surgiram no Brasil desde março de 2020.

Cientes de que não é mais possível ignorar os impactos negativos de problemas sociais mundiais, cada vez mais esses usam sua influência, conhecimento e foco em causas relevantes para contribuir com filantropia contemporânea, seja na forma de grandes doações, investimento social privado, criação de movimentos e organizações e até mesmo influência nos governos. Um dos exemplos que mais repercutiu recentemente veio de Bill Gattes, um dos homens mais ricos do mundo. Em julho deste ano, ele anunciou uma das doações mais significativas da história da filantropia: US$ 20 bilhões serão destinados à fundação que ele fundou com sua ex-esposa, Melinda French Gates.

“Está muito claro, tendo em vista a crise socioeconômica que vivemos, que a solução está nas mãos da sociedade civil, das empresas e de nós indivíduos, uma vez que o governo sozinho não tem condições de enfrentar todos os problemas da sociedade. A colaboração é um caminho mais complexo, mas certamente é o mais promissor”, finaliza Paula Fabiani, do Idis.

Texto originalmente publicado na revista Forbes

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