A literatura e a experiência prática indicam que a origem socioeconômica do aluno é o melhor parâmetro para prever o seu nível educacional. Mas se o PIB per capita paulista é igual ao chileno, por que os índices educacionais de lá são melhores do que os nossos?
Uma das razões é o gigantismo da rede. São mais de 5,1 mil escolas, 240 mil servidores, dos quais 190 mil são professores, que atendem a 3,4 milhões de alunos. É o maior sistema de ensino das Américas, quase duas vezes o chileno. O maior sistema de ensino dos EUA, de Nova Iorque, tem mil escolas e atende pouco mais de 1 milhão de alunos.
A Secretaria da Educação de São Paulo é o maior CNPJ do país em termos de número de funcionários. Executar políticas públicas em uma rede dessa magnitude é um tremendo desafio gerencial. Para vencer esse desafio, faz-se necessário um maior envolvimento da sociedade civil apoiando o poder público.
Um bom exemplo da articulação entre a administração pública e a sociedade civil tem sido a experiência da Parceiros da Educação junto à Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, com o apoio do Movimento Bem Maior, Fundação Itaú para Educação e Cultura e da Fundação Lemann. Com base na experiência de mais de 17 anos de parcerias com escolas e redes municipais, a Parceiros desenvolveu em conjunto com a Secretaria Estadual um projeto de atuação em diretorias de ensino. Estes núcleos são regionais de ensino, responsáveis por um conjunto de escolas. No estado todo são 91.
O projeto começou em duas das mais desafiadoras diretorias de São Paulo: Sul 1 e Sul 2, situadas em bairros da periferia da capital com alta vulnerabilidade socioeconômica, como Capão Redondo, Cidade Ademar, Jardim Ângela e Campo Limpo. São 182 escolas com mais de 180 mil alunos – maior do que a rede educacional de oito estados brasileiros!
Para dar resposta a graves questões de aprendizagem dos estudantes dessas regiões, os times da Secretaria e da Parceiros desenvolveram um programa focado em melhorias nos campos pedagógico, de gestão, infraestrutura e engajamento da comunidade, de modo a potencializar e aprofundar as iniciativas da Secretaria.
A execução começou no início de 2020 com o levantamento dos dados das duas diretorias de ensino e workshops de planejamento estratégico. Resgatar as habilidades essenciais dos estudantes se destacou entre as necessidades detectadas. Das 44 escolas identificadas como prioritárias, nenhuma tinha mais que 4% dos alunos de Ensino Médio com conhecimentos adequados em matemática.
A solução construída pelo time pedagógico da Parceiros em conjunto com a coordenação pedagógica da Secretaria foi criar um programa específico de recuperação para essas escolas com as seguintes fases: definição do conjunto de habilidades essenciais; elaboração de material estruturado para o aluno e o professor; formação de todos os professores de Língua Portuguesa e Matemática das escolas prioritárias no uso do material; aplicação das sequências em sala de aula; e, por fim, avaliação da proficiência dos alunos nas habilidades.
A partir de um novo modelo de atuação e de investimentos da Parceiros, foi possível ainda apoiar formações continuadas para os profissionais das Diretorias de Ensino e de todas as escolas. Destas, 40 unidades passaram a contar também com um “Parceiro Empreendedor”, ou seja, um parceiro exclusivo que investe nas demandas específicas de cada centro de ensino.
Com uma atuação regionalizada, potencializamos os investimentos ao ampliar a quantidade de escolas públicas apoiadas e tornar mais acessíveis os investimentos às parcerias e o número de membros da sociedade civil engajados com a melhoria da educação no país.
Com a pandemia da COVID-19, que provocou o período de maior interrupção de aulas já vista, a parceria teve que se reinventar, encarar os desafios e identificar oportunidades. Algumas das prioridades definidas no início do ano, como a formação dos diretores, um dos principais fatores de sucesso para uma escola, e dos professores formadores das diretorias e coordenadores, puderam ser realizadas à distância ou em formato híbrido.
Por outro lado, desafios bastante inesperados tiveram de ser enfrentados. Em primeiro lugar, a questão da conectividade. Contando com parceiros como Magalu, Instituto Península, Carrefour, Votorantim e Credit Suisse, 11 mil tablets foram distribuídos para as escolas e repassados aos alunos mais vulneráveis. O eixo de apoio psicológico também foi fortalecido e, para mitigar o risco de abandono e evasão, foi desenvolvida uma solução simples, mas efetiva: envolver os próprios alunos na busca ativa de seus colegas.
Ainda há muito o que se fazer, mas a parceria entre a sociedade e o Estado deu frutos que provam que este apoio tem que se aprofundar cada vez mais. O principal deles tem relação com o programa de recuperação, que era o principal foco pedagógico na Sul 1 e Sul 2. Desenhado originalmente para 44 escolas, o trabalho foi escalado pela Secretaria Estadual para todas as mais de 5,1 mil escolas, impactando mais de 3,4 milhões de alunos. Trata-se de um impacto gigante e uma resposta à crise trazida pela pandemia, sem paralelo no País. E é exatamente o efeito de replicabilidade esperado de um projeto como este.
Iniciativas como esta mostram que há um caminho possível para, enfim, conseguirmos dar o grande passo na educação que, há décadas, limita o desenvolvimento social e econômico do Brasil. Sociedade civil e poder público precisam estar de mãos dadas, juntos, para que isso, de fato, aconteça!
Carola Matarazzo – Diretora executiva do Movimento Bem Maior
Jair Ribeiro – Fundador e CEO da Parceiros da Educação
Este artigo foi originalmente publicado no Estadão.