A solução de um problema passa, antes de tudo, por uma visão ampla do cenário global. Vivemos um período de transição, vamos superando os momentos de agravamento da pandemia e o auge da crise, mas ainda temos grandes desafios em busca de retomar as questões social, climática, sanitária e de confiança.
Devemos assumir a responsabilidade de reconhecer essa interseccionalidade das problemáticas que abrangem os setores. Não podemos ignorar o contexto geral e deixar o foco isolado em alguns problemas específicos. O engajamento filantrópico não deve ser apenas caritativo ou técnico. A situação exige ter em mente que já vivíamos uma urgência no país, com dificuldades estruturais e desigualdade social inigualável. A pandemia levou a uma emergência sem precedentes.
Nesse contexto, rever o papel da filantropia para amplificar seu alcance é o nosso grande desafio, possibilitando criar mudanças sistemáticas, sistêmicas e sustentáveis. O processo inclui uma análise dos poderes que temos como atuantes no setor e como usá-los, além de iniciativas que gerem resultados efetivos, com novas soluções, metodologias e ferramentas.
Para as transformações sistêmicas, devemos mudar a forma de atuar, trabalhando mais em colaboração, além de adotar métodos como advocacy e pesquisa. Como atores filantrópicos, vamos priorizar a consistência e a coerência, com transparência, distribuição de poder, governança de recursos e análise dos efeitos socioambientais para avaliar o resultado social promovido. Essas abordagens são fundamentais para fazer da filantropia um motor da transformação maior que não se limite às resoluções pontuais, mas com uma visão do ecossistema como um todo.
O Brasil é rico em inovações na área, com plataformas de doação online, empreendedores sociais jovens que trazem novas ideias, iniciativas que possibilitam trabalhar com o que temos no país, além de agregar exemplos que ocorrem pelo mundo. Os atuais formatos filantrópicos internacionais predominantes são o americano e o anglo-saxão, o que nos leva a replicar ações desses modelos.
Utilizar bons exemplos é fundamental; entretanto, cada vez mais é necessário construir alternativas adaptadas à cultura local, com articulação e conexões nacionais e internacionais, público e privado. Essa demanda fez-se ainda mais urgente com a Covid-19, que demonstrou como todos os problemas locais são globais e nos levará a buscar o equilíbrio entre esses dois pólos. Por isso, a colaboração concreta envolve construir vocabulários e objetivos comuns para utilizar experiências internacionais e, ao mesmo tempo, replicar e escalonar modelos locais.
Para que essas medidas funcionem é essencial, antes de mais nada, uma evolução no modo de fazer filantropia, a começar enfrentando o medo dos riscos e aceitando que os fracassos também poderão ajudar. Faz parte do risco também buscar parcerias novas.
Há muitos fatores em pauta para fortalecer a filantropia e possibilitar que se extrapole a mensuração restrita ao aumento das doações e possibilite avaliar também o impacto provocado no território, no município, no estado e até no país, promovendo uma transformação social de médio e longo prazo.
Com essa atitude chegaremos nesse novo modelo que buscamos, desenvolvido em uma sociedade civil atenta e alerta aos problemas sociais. Essa reformulação passa por uma nova construção cultural. Não conquistaremos o resultado sem uma transformação profunda da sociedade.
Vamos fortalecer uma filantropia de consensos, de agenda compartilhada para uma atuação coordenada, norteada para o bem comum. Uma ferramenta inclusiva que possibilite, com investimento social, desenvolver uma comunidade menos desigual, onde se combata a fome nesse momento de crise e se possa olhar para os problemas estruturais futuros, que ficarão ainda maiores no pós-pandemia.
A filantropia brasileira precisa investir mais na estruturação do ecossistema para garantir bases que possibilitem escalar o impacto coletivo. Cabe à sociedade civil organizada apoiar a construção de modelos econômicos e de sociedade que permitam criar um ambiente propício ao desenvolvimento social coletivo. Nossa missão é pensar um Brasil melhor, mais inclusivo, onde a filantropia possa ser parte integrante da construção do país.
Por: Benjamin Bellegy – Diretor Executivo da WINGS, rede internacional de fomento à filantropia, e Carola Matarazzo – Diretora executiva do Movimento Bem Maior
Este artigo foi originalmente publicado no Correio Braziliense.