Empresário que doou 60% da fortuna vê obrigação moral dos ricos com os pobres.
Elie Horn, 74, é o único grande empresário em atuação no Brasil que, em vida, doou 60% da sua fortuna para caridade. Para ele, os mais ricos têm uma obrigação: doar ou doar. Se cumprissem, “a pobreza do Brasil acabaria em 10 anos”. Como o 1% mais rico do país acumula 49% da riqueza, segundo o banco Credit Suisse, talvez precisasse de muito menos do que os mil empresários estimados por Elie para essa missão.
Nascido na Síria, Horn emigrou criança, com os pais, para o Brasil. O avô paterno abrigou órfãos da Primeira Guerra Mundial. O pai doou 100% do que tinha. Com eles, Elie, um dos homens mais ricos do Brasil, aprendeu o significado do verbo ‘doar’.
Nesta entrevista, o judeu ortodoxo respondeu a perguntas sobre contradições e culpas, como a de ter criado um império e ainda assim falar em dividir. Apesar dessa disposição, ele não opina sobre questões políticas como a taxação de grandes fortunas: “Prefiro responder da próxima vez”.
Foi em 2015 que ele e a esposa, Susy, se tornaram os únicos empreendedores do Brasil a aderirem ao projeto filantrópico The Giving Pledge, fundado por Bill Gates (que doou 99% da fortuna) e Warren Buffett. Segundo o último ranking da revista Forbes, Elie Horn tinha uma fortuna de R$ 3,5 bilhões. “Acho que me dou bem nos dois papéis, de empresário e filantropo”, pondera Elie. Confira entrevista na íntegra a seguir.
Algum caso específico te fez despertar para a filantropia?
Meu avô, que eu não conheci, na primeira guerra mundial, deu abrigo para alguns milhares de órfãos da guerra. Meu pai me ensinou o significado do verbo dar. Ele tinha pouco e deu 100% do que tinha para obras de caridade. Eles fizeram muito pelo mundo e eu achei que não podia ficar por baixo.
“Eu quis dar 100%, mas meu pessoal não deixou. Então, fizemos um acordo para doar 60%. Os 40% restantes ficam para família para, por sua vez, fazer o mesmo esquema que eu fiz: doar dinheiro de novo”.
Na sua opinião, qual seria a obrigação dos mais ricos com os mais pobres?
Consciência e moral. O problema começa com outra pergunta: por que eu existo? Por eu vivo? Qual o sentido da existência e o que eu vim fazer no mundo? É um processo de desenvolvimento mental que te leva a concluir que a única coisa que dá significado à sua existência é o bem que você faz ou, por omissão, que você não faz. A razão da minha vida, e da tua, é essa. O fato de você fazer perguntas te faz entender a minha missão. Somos todos cúmplices envolvidos no mesmo esquema. Não tem inocência. Somos todos culpados até que provem o contrário.
Qual é a nossa grande culpa?
Não fazer o bastante. Peço perdão por não ter feito mais. Espero compensar isso no futuro. O bem inclui a filantropia, a caridade. Mas, cada um faz o bem à sua maneira.
E fechamos os olhos para esse bem?
Fechar os olhos é da essência humana. Alguém me ensinou a falar não. Se você fala “sim” para todo mundo, você perdeu sua essência enquanto ser humano. Para que haja progresso, precisa haver um corte. Preciso dormir para acordar no dia seguinte. A gente fecha os olhos porque não tem outra maneira. Não somos eu nem você, mas todo mundo.
A taxação das grandes fortunas é um debate forte. Aproveitando que você falou sobre “fechar os olhos”, você concorda ou discorda?
Prefiro te responder da próxima vez. É um assunto delicado e muito grande. Não posso falar sobre ele sem estar preparado.
E se aprende a ser bom?
Sim, tudo se aprende. No meu caso, meu pai foi fundamental. Ele era um homem duro, rígido, autoritário, mas fez o bem. Você tem três almas. Uma alma boa, uma alma não boa e uma alma neutra. Dependendo da sua vivência, você alimenta uma ou outra. Quem é a pessoa mais egoísta do mundo? Uma criança de seis anos quer tudo para si, quer receber tudo e não dá nada. Recebe amor, mas não dá.
Como empresário, você consegue manter esse bem?
Me dou bem nos dois papéis, de filantropia e negócios. Adoro trabalhar, detesto quando fico ansioso estando livre. Tento misturar o bem nos negócios. No domingo agora, fizemos um comitê de filantropia para levantar dinheiro para os corretores financeiros mais fracos. Os corretores vão levantar dinheiro, eu não. Foi uma ideia deles.
Corretor quando ganha dinheiro torra tudo. Quando eu era executivo na empresa, quando havia diferencia de preço entre o que comprador queria dar e o vendedor cobrava, a diferença ia para caridade. Exemplo: eu vendo por 100 e você quer me pagar 90. Eu aceito 90, mas os 10 a mais você precisa doar. É uma mistura dos negócios com o bem.
Economicamente, é interessante fazer o bem?
Economicamente, espiritualmente… Sim, é muito importante. Se você tem e não dá, você paga. Tem que ser muito bobo para não escolher fazer o bem e pagar na eternidade. A nível físico se você faz o bem vem o bem também. Nem tudo é inteligência, pode ser benção.
“Se você doar dinheiro, você também ensina seus filhos a não serem egoístas. Fazer o bem e dar dinheiro só trazem coisas positivas. Não fazer o bem e não dar dinheiro é para quem é burro: B-U-R-R-O”.
Você repara uma burrice nos empresários conhece?
Risos. Não vou falar de quem conheço. Se não conheço, não conheço. Também não vou falar. Mas, em geral, vejo boa vontade. O que falta é cutucar as pessoas. É uma espécie de coisa dormente que tem que ser acordada. Quando você acorda as pessoas, elas ajudam o próximo.
Há sócios muito bons quem doam. Teve uma pessoa que bateu no meu escritório, veio aqui doar e doou milhões.
A pandemia cutucou?
A pessoa em casa começa a pensar mais na vida. Errado é ter pandemia para ter que fazer o bem. Temos que fazer o bem até a morte. Sua função, como jornalista, é informar. A partir de hoje, você pode ter mais uma missão, fazer as pessoas doarem, que as pessoas falem bem da filantropia e acordem.
Você acha que o empreendedorismo de grande sucesso é possível ou apenas ilusão para os pobres?
Ilusão não existe. Quem quer faz. Eu não me lembro de ter querido algo na vida e não ter conseguido. Das coisas normais que eu quis, eu fiz como meta, e pensei que ia conseguir de todo jeito – dentro das formas normais.
“A palavra ‘não’ não está no meu dicionário. Alguém me perguntou sobre não poder. Não poder não existe. Não vou querer voar e quebrar a cara. Deus não está na moda, mas para mim ele existe. Ele também é sócio do bem”.
Como você transformou o seu negócio em império?
Comecei a trabalhar aos 19 anos, fazendo corretagem. Depois, comecei a comprar e vender apartamento sem dinheiro. O apartamento valia 10 mil dólares, eu pagava mil dólares e pegava o resto emprestado. Eu vendia o apartamento para pagar o empréstimo. Comecei a fazer isso, tirava os juros compostos, e peguei um patrimônio. Aos 29 anos, fiquei muito bem de vida e talvez fosse um dos jovens mais fortes do país em termos de patrimônio. Aproveitei o buraco que existia no mercado.
“Eu trabalhava 14 horas por dia, seis dias por semana. Se você trabalha 14 e alguém trabalha oito, qual é a diferença? Em 20 anos, é brutal. Se você ganhar dinheiro e gastar tudo nunca vai ter dinheiro. Eu não tinha outra opção, ou vencia, ou vencia”.
O que você acha desse espaço que o trabalho ocupa na vida. A gente perde parte da vida trabalhando?
Acho que a gente perde fazendo besteira. Perde tempo fazendo e pensando besteira. Muito lazer, muita bebida, muito de tudo. Isso faz mal, faz muito mais mal usar o tempo para besteira do que para coisa positiva. O jovem tem uma diferença, porque está descobrindo a vida e tem que passar por isso. Acho que eu não tive infância, e juventude tive pouca. Me arrependo? Nem um pouco. Me arrependendo de ter perdido tempo com besteira. Com 15 anos, uma pessoa que eu conheço, começou a trabalhar e fez um império aos 30. Mas, ele fez autossacrifício. Não há nada sem autossacrifício.
Voltando ao querer: você não acha que há dificuldades nesse “querer”?
Por definição, o querer vai ter sempre dificuldades. O mundo é cheio de confusão propositadamente. Cabe a mim reverter a posição. Acabar com o problema do Brasil é muito fácil. Se reunirem mil empresários para doar, a pobreza do Brasil acaba em 10 anos.
“O Brasil tem dois problemas: falta de educação, que tira o direito das pessoas e perpetua a miséria; e, para que haja prosperidade, precisa de uma gestão eficiente. Não pode haver briga entre os três poderes. A política social do país não pode mudar. O resto que brigue à vontade, mas não tirem do pobre. Nisso não se pode mexer, precisa ter leis rígidas. A desunião causa a má gestão”.
Qual é a recompensa?
No meu caso, foi ganhar para ajudar. Depois, ganhar para não depender. A liberdade consiste em se eu quero trabalhar ou não. Eu gosto de independência e liberdade. Mas, liberdade não é caos, é o direito de fazer o bem dentro das opções. Jovem, eu já fazia um pouco de caridade. Entre meus amigos, pegava poucos cruzeiros dos amigos para dar para a pessoa que estava na frente do colégio.
Quando essa caridade tomou outra proporção?
Comecei do zero absoluto. Ganhei dinheiro nos imóveis. Comecei do zero de novo, com empréstimo. Aos 38 anos, a filantropia tomou outro espaço na minha vida. Foi a maturidade. Mas tem, sim, algo que eu pensava muito. No colégio, eu tomava bonde e até lá andava um quilômetro. No caminho, havia uma criança na rua, com deficiência física e aquilo me chocou. Outra vez, vi uma mulher grávida, com um bebê, ambos na chuva… Aquilo me chocou de novo. Comecei a perguntar: “Deus, se você existe, como permite uma coisa dessa?”. Uma pergunta levou a outra. Na época que vi isso, tinha entre 12 e 17 anos.
E você acha que a gestão hoje no Brasil é inteligente?
Na medida que tem briga, não pode ser inteligente.